Durante muito tempo o grande foco das discussões cripto se limitaram ao Proof of Work, graças ao pioneirismo do Bitcoin. Recentemente muita atenção tem sido dada ao Proof of Stake e suas variações, principalmente pelas discussões relacionadas à sustentabilidade do meio ambiente e eficiência nas transações.
Quando terminar de ler este artigo, você terá entendido os conceitos básicos deste método de consenso, que vem ganhando cada vez mais espaço no universo cripto.
O que é Proof of Stake?
Em um sistema descentralizado, um dos principais problemas que precisam ser resolvidos diz respeito ao consenso. Isso ocorre porque em um sistema centralizado, o “consenso” é alcançado imediatamente com a posição do tomador de decisão – por exemplo, o presidente de uma empresa.
De acordo com a definição do Oxford Languages, consenso é:
“Concordância ou uniformidade de opiniões, (…) da maioria ou da totalidade de membros de uma coletividade. Uma das maneiras de se deliberar em assembleias, conselhos, etc., que ocorre quando não há objeções ou argumentos contrários ao que se está propondo.”
Em ledgers – ou banco de dados – distribuídos, blockchain sendo o tipo principal, os nodes que armazenam e transmitem as informações desse banco de dados precisam entrar em consenso sobre quais informações acrescentar ao registro (transações válidas) ou quais informações descartar para sempre (transações inválidas).
Existem muitos métodos que podem ser aplicados para atingir o consenso e existem infinitas possibilidades de como ‘regrar’ as nuances, através de um protocolo de consenso. Com a variedade de projetos descentralizados no mercado cripto, cada um utiliza o método que considera mais adequado e uma grande parte deles passou a escolher o Proof of Stake ou suas variações.
Em uma tradução literal, Proof of Stake pode significar Prova de Participação. A palavra “stake” em inglês normalmente é aplicada para apostas ou investimentos e tem um significado próprio, sobre “ter algo em jogo” ou “ter algo em risco”.
De forma resumida, “stake” é um capital que foi destinado a tentar gerar lucro, mas que pode ser perdido. Empresas e projetos possuem “stakeholders” que são investidores que possuem capital aplicado nela e, portanto, têm algo a ganhar ou a perder dependendo do resultado daquela empresa ou projeto.
Assim que, por falta de uma tradução melhor, podemos entender Proof of Stake como uma maneira dos participantes do consenso provarem que possuem participação e interesse em ver o sucesso da rede, validando boas transações e mantendo a rede honesta, enquanto têm “algo a perder” caso se comportem de forma maliciosa ou caso a rede falhe.
Como funciona o Proof of Stake?
Existem muitas variações do Proof of Stake, e vamos falar um pouco sobre as principais delas, mas de forma geral o Proof of Stake ocorre quando um node ou investidor consegue provar para a rede a quantidade de moedas ou tokens que eles possuem, provando seu capital alocado no ativo – e ganhando assim direito de participar do consenso, proporcional ao seu “stake”.
A versão do Proof of Stake mais conhecida é o PoS do Ethereum (ETH), onde um node pode fazer staking de, no mínimo, 32 ETH para se tornar validador e participar do consenso.
A cada 12 segundos, um destes validadores é escolhido aleatoriamente para criar um bloco com as transações em espera (mais ou menos como funciona no Proof of Work do Bitcoin) e receber a recompensa de bloco com a criação de novos ETHs, além de uma parte das taxas de rede pagas pelos usuários.
Ao criar o bloco, o validador o transmite para a rede, que vota em sua validade de acordo com peso de votos definido pela quantidade de ether (ETH) depositados em stake por cada um. No PoS do Ethereum, ao atingir dois terços (⅔) do total de votos na rede, o bloco alcança finalidade determinística e não pode mais ser revertido.
Caso um destes nodes se comporte de forma desonesta, toda a quantidade de ETH que ele tem depositado no Proof of Stake é queimada, incentivando assim o bom comportamento dos maiores detentores de poder de decisão (votos) na rede.
Outros tipos de PoS são:
– Delegated Proof of Stake (DPoS);
– Bonded Proof of Stake (BPoS);
– Liquid Proof of Stake (LPoS);
– Pure Proof of Stake (PPoS).
Diferente do Ethereum, todos eles permitem algum tipo de “delegação” do poder de voto de contas não-validadoras para nodes validadores, mas diferem na forma de fazê-lo ou nas punições para comportamentos desonestos.
Qual a diferença entre Proof of Work e Proof of Stake?
Em Proof of Work, os mineradores provam seu “direito” de participar no consenso ao gerar trabalho computacional – consumindo energia elétrica, banda larga e equipamentos eletrônicos que possuem vida útil.
De acordo com o Digiconomist, a rede do Bitcoin consome cerca de 132,47 TWh ao ano, o que se compara à todo o consumo de energia elétrica da Argentina e gera cerca de 34,58 kt de lixo eletrônico, que se compara ao lixo eletrônico gerado na Holanda, com equipamentos de T.I.
Todo este alto consumo gera um custo excessivo para a rede, fazendo com que transacionar valores monetários ou armazenar informações na blockchain fique muito caro, além de gerar competição extra para o uso de energia elétrica e circuitos eletrônicos que encarece estes bens escassos para outras aplicações.
Além da baixa eficiência do PoW – calculada pela relação custo/benefício – redes que utilizam o consenso do Proof of Work normalmente apresentam mais dificuldade para escalar em número de transações, dificultando maior adoção global.
Valor Extrínseco vs. Intrínseco
A composição do valor de um ativo é bastante complexa pois envolve diferentes fatores que se relacionam de diversas maneiras. Cada escola econômica também utiliza sua própria definição de valor econômico, então é importante levar isso em conta ao analisar o “valor extrínseco ou intrínseco” de um ativo.
Alguns desses fatores são internos ao ativo, compondo seu “valor intrínseco”, enquanto outros fatores são externos ao ativo, compondo seu “valor extrínseco”.
De acordo com Karl Marx e a escola marxista, por exemplo, o valor econômico é definido por meio da teoria do valor-trabalho. Onde quanto “mais trabalho” é depositado em um determinado bem ou serviço, inevitavelmente maior deve ser o valor intrínseco daquele bem ou serviço na sociedade. Em um exemplo prático, uma aplicação da teoria de valor-trabalho no universo cripto, seria avaliar unicamente um ativo como mais valioso pela quantidade de energia ou lixo eletrônico gasto para manter sua rede funcionando.
De acordo com a Economia Austríaca, o valor é um conceito subjetivo e complexo que depende da percepção, de valor por parte de cada indivíduo, segundo seus próprios desejos e necessidade; além de se relacionar com a teoria da utilidade marginal, que diz que: “Quanto maior é a oferta (supply) de um bem, menor é a utilidade marginal; quanto menor a oferta (supply) de um bem, maior é a utilidade marginal”.
Ambos necessidade e desejo (constituindo a demanda) e sua utilidade marginal (constituindo a oferta), podem então ser aplicadas na lei de oferta e demanda para determinação de preço ou “valor percebido” do ativo.
Normalmente a demanda está relacionada ao valor extrínseco, enquanto a oferta seria o valor intrínseco do ativo ou da rede – segundo autores da Escola Austríaca de Economia.
O valor extrínseco do Proof of Stake está muito relacionado à crescente preocupação mundial em relação ao alto consumo de energia e emissão de CO2 por parte do Proof of Work, onde muitas empresas (como a Tesla, por exemplo) se recusaram a aceitar Bitcoin como meio de pagamento, com medo de enfrentar a opinião pública ou perder pontos de ESG (Environmental, Social, and Corporate Governance) perante os investidores.
Já seu valor intrínseco estaria na eficiência e diminuição dos custos para os validadores manterem a rede funcionando.
Popularização da mineração de criptos
A mineração de criptomoedas se popularizou muito nos últimos 13 anos, com a possibilidade de utilizar equipamentos eletrônicos como uma CPU, GPU, Placa de Vídeo ou ASICs para gerar trabalho para uma determinada rede, colaborando para o consenso do sistema descentralizado ao mesmo tempo em que se conseguiam rendimentos monetários proporcionais ao trabalho gerado.
A mineração é tão atrativa financeiramente, que se tornou um grande negócio e atividade empresarial que chegou até mesmo a listar companhias mineradoras nas bolsas de valores.
O Proof of Stake vem se popularizando por um motivo semelhante, onde os investidores podem alocar capital puro na rede – ao invés de ter que utilizar o capital para comprar equipamentos eletrônicos e pagar contas de luz e internet – para ganhar dinheiro com a inflação (criação de novas moedas) na rede que estão validando, seja através de um node validador, ou de delegar capital e receber rendimento proporcional ao capital delegado.
Segurança
Existe uma constante preocupação sobre a possibilidade de centralização em protocolos que utilizam o Proof of Stake, já que, em teoria, quanto mais dinheiro um participante tem, maior o retorno que ele consegue receber a partir das novas moedas que são colocadas em circulação, em recompensa pelo investimento.
O próprio Vitalik Buterin, criador do Ethereum e defensor da conversão integral do ETH para PoS no Ethereum 2.0, expressou preocupação sobre a centralização em uma recente entrevista para a Fortune (19 de junho de 2022):
“(…) estou definitivamente preocupado. Acho que é uma das maiores questões em que estamos pensando ao tentar descobrir como mudar para ‘proof of stake’ no longo prazo. Mas também acho importante não catastrofizar demais a questão, porque é isso que muitas pessoas fazem.”
Apesar disso, os defensores do Proof of Stake normalmente rebatem as críticas de centralização dos entusiastas de Proof of Work, com o fato de que algo semelhante pode acontecer também no PoW, onde os maiores mineradores conseguem mais recompensas e podem reinvestir mais em equipamentos ou conseguir melhores acordos em contratos de energia, internet ou financiamento bancário para seu negócio. Também causando, em tese, centralização gradual.
Um ponto que favorece a segurança no PoS é o fato de que, quanto maior for a participação de um validador na rede, mais incentivado ele fica em se comportar de forma honesta e manter a rede saudável, já que seu capital está alocado diretamente no ativo que representa a rede.
Enquanto que no Proof of Work, um participante com grande poder de hash pode prejudicar a rede e depois conseguir compensação vendendo os equipamentos ou utilizando-os para minerar outra criptomoeda.
Além disso, a finalidade em uma rede Proof of Stake normalmente é determinística. Isso é, após um bloco ser transmitido, validado e confirmado pela rede, ele não pode ser revertido; enquanto no PoW a finalidade é probabilística e melhora dependendo da quantidade de novos blocos subsequentes.
Ethereum
O Ethereum está passando por uma das atualizações mais importantes de sua história, apelidada de “The Merge” que irá criar o Ethereum 2.0 e deixar de ser um protocolo com método de consenso híbrido (proof of work + proof of stake), se tornando totalmente proof of stake, para acompanhar a demanda do mercado por esta solução.
Seja por preocupações ambientais, ou buscando maior eficiência e escalabilidade.
De acordo com o Digiconomist, a blockchain do Ethereum (PoW) consome 51,42 TWh por ano, equivalente ao consumo total de Portugal; enquanto uma única transação de ETH consome o equivalente à 4,5 dias de uma casa comum nos Estados Unidos (133,52kWh). Considerando um custo de 11 cents por kWh na capital (Washington), por exemplo, uma única transação de Ethereum custa cerca de US $14,68 para a rede. O que é bem alto.
EOS e o Delegated PoS
A rede da Eosio (EOS) utiliza uma variação do PoS chamada de Delegated Proof of Stake (DPoS), onde nodes fazem um depósito (staking) da quantidade que quiserem travar em contrato inteligente para participar do consenso e utilizam esses valores para escolher líderes a cada nova rodada de validações.
Uma rodada é composta por 21 validadores que são eleitos a partir da votação – de acordo com a quantidade em staking por cada stakeholder – e todos os 21 líderes serão responsáveis pela criação e transmissão de 21 blocos à rede, em igual peso. Não importando a quantidade de votos que eles receberam dos delegadores.
Um node pode votar nele mesmo para participar da rodada e, caso um dos 21 validadores se comporte de forma desonesta, os stakeholders que votaram nele serão punidos, perdendo seus tokens EOS depositados “em stake”.
Cardano e o Ouroboros
A blockchain Cardano (ADA) utiliza uma outra variação de DPoS, parecida com a Eosio e chamada de Ouroboros.
Através do Ouroboros, qualquer proprietário de ADA pode depositar seus tokens em pools de staking, que são contratos inteligentes mantidos por nodes validadores da rede. Cada depósito aumenta o poder de voto da pool escolhida, que utilizará este peso delegado para votar e validar as transações transmitidas na rede.
Diferente da EOS, cujos líderes mudam toda rodada, todos os validadores participam de todas as validações e os delegadores podem resgatar seus fundos de um contrato inteligente e delegar novamente para outro, mas este processo envolve uma pequena espera e não possui efeito imediato.
Tezos e Liquid PoS
A blockchain Tezos (XTZ), utiliza uma variação do PoS chamada Liquid Proof of Stake (LPoS). Um node pode se transformar em ‘baker’, que é o tipo de node responsável pela criação e transmissão de novos blocos à rede – equivalente aos miners do PoW.
Para ser baker, é preciso depositar um total de 8.000 XTZ em staking. A partir daí, qualquer investidor que possua o token XTZ em carteira, pode delegar seu poder de voto para um baker de sua escolha e ainda manter a liquidez dos ativos, re-delegando para outro validador a qualquer momento, de forma fácil.
Conclusão
Proof of Stake e todas as suas variações são um método legítimo de consenso que está sendo validado através do tempo e dos experimentos de diferentes projetos, cada um com suas próprias particularidades.
Alguns outros métodos de consenso podem ser confundidos com o PoS – como é o caso do Open Representative Voting (ORV) da criptomoeda Nano (XNO) – devido à algumas semelhanças em relação ao poder de voto, mas ORV não cumpre com outras características inerentes ao proof of stake e que foram abordadas nesse artigo.
No proof of stake, sempre irá ocorrer algum tipo de depósito, também chamado “staking” de capital para provar seu direito de participação no consenso e, como ocorre em todo processo de “staking” (apostas ou investimentos), os depositantes obterão algum tipo de rendimento, em retorno monetário direto pela sua contribuição.
Conforme o tempo passa, é possível que mais variações do Proof of Stake sejam criadas, assim como muitas das variações que já existem podem passar por melhorias e mudanças conforme problemas sejam identificados.
O PoS pode trazer muitos benefícios para a rede, seus usuários e também seus validadores, mas é importante lembrar que, em uma indústria tão jovem como a indústria cripto, muito do que temos ainda são protótipos experimentais que envolvem riscos e estão evoluindo com o tempo.